Como é duro trabalhar

Graças a Deus, aos meus pais, ao estudo e até à sorte já não sou mais tão pobre. Contudo, a realidade ameaça e vivo a temer a possibilidade que isso ocorra. Não dou mole, sou esforçado, mas de que adianta? Por mais que trabalhe, rale e me mate, parece sempre que estou no caminho errado.

A cremosa ontem falou que eu não valorizava minhas conquistas. A frase dela me doeu, cheguei a dar toda razão a ela e refletir sobre mim nos termos que me ofertou. Depois mudei, meio a meio, nem eu, nem você, disse a ela. Eu dou mesmo pouco valor às minhas conquistas, mas de que adiantaria exaltar aquilo que o mundo caga solenemente.

Quem ficou rico ou se destacou tentando melhorar a vida dos pobres? Quem é reconhecido por ajudar a viver aqueles que os poderosos tentam diariamente eliminar? Quem é valorizado por fazer tão bem aquilo que ninguém valoriza? Com auxílio do google tradutor eu poderia escrever “ninguém” em dezenas de idiomas, mas o corretor surtaria e você não entenderia.

Talvez eu seja ninguém. Aquela gente sem nome que eu atendo e apoio diariamente. Talvez de tanto lutar para educar quem vive excluído e sofrido, acabei me tornando um pouco como eles. A cremosa tinha razão, eu preciso me valorizar mais. Ser um ninguém não é pra qualquer um.

Ser a pedra enquanto todos querem ser o sapato é digno. Ser caroço enquanto todos querem ser o angu é nutritivo. Ser a água enquanto todos querem o chopp é também bonito. Melhor ainda é sonhar ser aquela pessoa que enquanto a torcida grita o nome do craque que pode fazer o gol, entra no campo escondido e fura as bolas.

Eu nunca quis ingresso pro camarote, só queria festejar com os meus e rir da desgraça que é ter tudo e sempre querer ainda mais. Eu nunca quis ser playboy, nunca quis namorar patricinha. Tenho o que eu sempre quis, tenho a parceira que me escuta e entende o preço do meu trabalho. Que vê a gota de suor e sente orgulho, não nojo.