Fale com o Marcinho

Felipe Loureiro
2 min readMar 29, 2021

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Pais casados e apaixonados, ambos empregados, casa com quintal, geladeira cheia, ainda assim eu consegui ficar infeliz. Sempre faltou alguma coisa e como na época só se podia escutar a música que tocava no rádio, acreditei que fosse amor.

Na adolescência o repertório é curto, parece até com a infância, dor, fome, cocô, xixi e brinquedo, essa é a lista dos incômodos possíveis. Porém, a diferença é que com o passar dos meses dois novos elementos começam a se destacar, a paixão e os pais.

Nossos heróis deixam de ser aqueles que garantiram a nossa pobre existência. No seu lugar aparece qualquer rapaz que faça gol ou uma moça que cante e dance. Quem tudo nos proporcionou segue em nossa vida, só que na posição de policial mau, que reprime e censura nossos desejos sempre ansiosos.

Enquanto a paixão, que era privilégio dos adultos, tira a infância da corpo à força. A cabeça vira Pompeia, sob a eterna ameaça de uma erupção vulcânica capaz de ceifar qualquer forma de vida e soterrar todas as resistências.

De acordo com Diotima, o amor é filho da pobreza com a astúcia. Na minha juventude eu fui amor da cabeça aos pés. Tudo me faltava, por isso era preciso saber me virar para conseguir aquilo que eu mais precisava. Amor, era só o que me faltava, o resto meus pais conseguiam comprar mediante algum esforço.

Faltava tanto amor, eu procurava tanto a quem amar, que nem tinha tempo de reparar em todas as demonstrações afetivas que saltavam diante dos meus olhos. Fiquei tão viciado no amor, que me tornei incapaz de amar.

Não vi meu pai me dar amor. Não reparei quando minha mãe tentou me amar. Nem percebi meu avô ir embora e levar o futebol com ele. Só tinha olhos para Carolina que eu nem vi, Monique que nem beijei, Renata com quem nunca transei e Débora que não quis me namorar. Também não vi minha vovó ir embora com uma bandeja de bolinhos de chuva.

Estava tão ocupado tentando amar quem não me queria, que não pude dar o meu amor às pessoas que me deram tudo, absolutamente tudo nessa vida.

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Felipe Loureiro

Escritor, redator, professor e podcaster. Formado em história pela UFRJ, Mestre em Planejamento Urbano e Regional no Ippur e Doutor em Sociologia pela UC